terça-feira, 15 de novembro de 2011

O POEMA QUE NÃO TINHA ESCRITO de Eugénio de Sá




O poema que não tinha escrito

(Eugénio de Sá)



Não me ocorrera ainda descrever

A nostalgia de uma vida omissa

Porque sempre entendi como premissa

Contar coisas que pudesse entender



Mas o espírito manda e a gente faz

um poema de sentidos que não sinto

E embora muitos vão pensar que minto

Não é decerto isso que me apraz



Vivo como saudoso de irrealidades

De memórias inertes que me assombram

Busca vã nos registos das minhas saudades



E como que vindas do meu inconsciente

Desfilam cenas de vidas passadas

Baixos relevos, são tudos e nadas

Que da realidade não são consistentes



Mas não quero perder este condão

Que me enternece e enche de carinho

E que é p’ra mim como o pão e o vinho

Num enlevo de preces em celebração



Revejo um rosto no meu devaneio

Um olhar manso de calma sedução

Fico tonto de amor naquela mansidão

Inunda-se-me a alma plena desse enleio



Até que enfim a vida vem bater-me à porta

Desperta-se o torpor repõe-se a inquietação

Mas nos sombrios recantos deste coração

Permanece a ternura longe de estar morta