Painéis de
Portugal
Autoria de Eugénio de Sá
Os tons do Minho
Eugénio de Sá
Terras do norte, minhotas
Viras do povo em Agosto
Em Setembro cheira a mosto
Em todas as aldeotas
É verde o vinho e a vida
Romarias e arraial
Deixam mágoas da partida
De Braga a Ponte do Lima
de Viana a Valdevez
tudo é cambraia mais fina
bordada pelo Gerês
De quem vai saudade fica
Dos que ficam com a tristeza
Mas vizinhos da beleza
Desta região bendita
Há flores marginando
estradas
Água correndo dos montes
Para as cristalina fontes
Ou p’ras regas nas levadas
O gado pasta nos campos
E carroças carregadas
Com parelhas atreladas
Transbordam feno e encantos
E as cores do sol no
poente
Pintam de oiro o sorriso
Naquela gente de siso
Que trabalha alegremente
Das telas dos paraísos
Nos verões da nossa saudade
O Minho é por ser verdade
A terra dos tons precisos
Terras transmontanas
Eugénio de Sá
Rochoso, o solo agreste
lusitano
Rocha se chama o seu maior poeta
Austero, cada templo transmontano
De pedra é a paisagem
dominante
Em penedias descendo pelos montes
Infundindo respeito ao visitante
Sem recuar perante adversidade
Cada um dos seus filhos é genuíno
Desconhece-se nele a falsidade
Cavam-lhe a face as rugas
do trabalho
Que o granito esculpiu e o sol tostou
Nos frios, lembra memórias ao borralho
Belas alheiras e a posta
mirandesa
Sábio presunto e mágica vitela
São faustos desejados sempre à mesa
Simples são as
comidas desta gente
Sóbria no paladar como na vida
E no infortúnio, sempre está presente
Dentre o melhor do povo
português
Outros não há mais nobres e honrados
Pois se lhes lê
na fronte a honradez
Terras Beirãs
Eugénio de Sá
Bordam-te mil castelos o relevo
Painel beirão do amado Portugal
És do teu povo o gáudio e o enlevo
E da pátria penhor primordial
E os Hermínios montes que abrigaram
As destemidas tribos lusitanas
Depois de Viriato já contaram
Outras vitórias, guerras e façanhas
Nos frios invernos as tuas lareiras
são consolos de vida e de amizade
Mesas de queijos, broas e alheiras
E de velhas memórias sem idade
E os fumos que teus vales acariciam
Lembram ternuras gostos e odores
Quando Natais distantes se viviam
Juntando os corações e os amores
Inspirado em “Romance
Sonâmbulo”
de Frederico Garcia Lorca,
também direi do meu bem amado Ribatejo:
“ Verde, que te quero verde.
Verde
vento, verdes ramas ”...
Ribatejo
(Eugénio de Sá)
Aos choupos e aos
Salgueiros
que bordam de verde
as margens do meu Tejo,
pedirei murmúrios!
Às águas deste rio
que nos percorre
as terras e os sonhos
pedirei caprichos!
Aos poldros buliçosos
que correm em família
na vizinhança da água,
pedirei galopes!
Aos toiros e aos novilhos
Que salpicam de negro
O verde da lezíria,
Pedirei bravuras!
Às orgulhosas vinhas
que marcam a tons de ouro
as encostas dos outonos,
pedirei generosidades!
Aos frondosos pinheiros
que nos guardam os ventos
e sombreiam os campos,
pedirei que permaneçam vivos!
Aos homens desta terra
abençoada
pedirei que saibam merecê-la!
Alentejo
(
Outrora o celeiro de Portugal )
Eugénio
de Sá
Espigas
desta terra
Vocação de pão
Searas de vento
Ventos de paixão
Juntam-te fermento
Do meu coração
Espigas
desta terra
Celeiros de amor
És calma de estio
Amas o calor
Mãos em desvario
Ceifadas na dor
Espigas
desta terra
Rude gente a tua
Que sofre e não cai
Nas pedras da rua
Ruas d'amargura
Espigas
desta terra
Feitas fundas mágoas
Não sei se elas riram
Seus olhos mares
d’águas
Flores que não
floriram
Nota do autor:
Alentejo, a maior
província de Portugal, foi em tempos o seu orgulhoso celeiro mas o pão era
feito de sangue, suor e lágrimas.
Agora é umas das áreas européias mais despovoadas, onde vagueiam velhos e
animais nas profundezas do esqueci-mento humano.
Alemães e ingleses vão-lhe comprando as entranhas, que mais ninguém quer.
Sei o que foi aquilo; o inferno ao calor do sul, a fome ao frio da indiferença.
Hoje; é o abandono, ao estigma do despovoamento.
Algarve
Eugénio de Sá
Com
cheiros amendoados, com gaivotas
Com
chaminés rendadas e branquinhas
Com
lendas encantadas, com poetas
Com
céus d’oiro, chilreios de andorinhas
Com
praias de beleza estonteante
Com
doce ondulação beijando areias
Com
branduras de brisa acariciante
Com
transparências d’água, marés cheias
Com
os bailes mandados, corridinhos
Com
lingueirão, conquilhas, marafados
Com
dom rodrigos como os mais docinhos
Com
os gostos do mar nos cozinhados
Só
não ama este sul quem dele não sabe
Ver-lhe
nos tons os mais lindos matizes
"
O Mar com fim será grego ou romano,
o
Mar sem fim é português! "
in: Mar Português, de Fernando
Pessoa
Mar de Portugal
Eugénio de Sá
Ah, este mar do meu país natal
Que há nove séculos ouve Portugal
Nos marulhados ecos de uma gesta
E desses ecos lhes conhece a glória
Que se extasia de partilhar a história
E até ignora Eolo que o molesta.
Ah, este mar que me fez português
Que chorou com as lágrimas de Inês
E exultou liberto de grilhões
Que das conquistas soube do direito
E aos mártires e heróis lhes presta preito
Quando se lança à costa em vagalhões.
Ah, este mar enorme, ocidental
Que
banha todo o nosso Portugal
Com
respeito pelo povo que conhece
Que
d’Isabel aprendeu a piedade
E sabe
que é um velho sem idade
Amado
ao sol da pátria que o merece!
A Portugal
Porto,
o especial perfume de uma
bela cidade
Qual punho afundado na
rocha aspergindo casario monte acima, esta é a primeira visão que tem do Porto
quem o demanda vindo sul por qualquer das pontes que o ligam a Gaia. Lá em
baixo, o Douro vigoroso e triunfante, corre para a Foz, que o cinge num
apertado abraço antes de o deixar cumprir, finalmente, a sua missão, numa
gloriosa união doce e salgada com o oceano.
Já nas ruas da invicta
cidade, o forasteiro entontece-se com o afã das gentes que se movimentam a pé e
motorizadas, cruzando, numa difícil fluidez, as artérias por onde corre o
bulício de um povo laborioso e nobre.
Diz-se da grande urbe
nortenha que ela é a capital do trabalho desta nação portuguesa espreguiçada ao
sol e tendencialmente “a banhos”, pela força do seu clima e da sua vasta orla
costeira beijada pelo sempre majestoso Atlântico.
Na realidade, a grande
concentração industrial da região e a proverbial vitalidade das suas
populações, parecem justificar-lhe o atributo.
Uma vez mais a visitei e
uma vez mais me encantei com a simpatia e afabilidade de quem serve o público,
a alegria, a palavra espontaneamente brejeira e o sorriso gaiato do povo, a
dinâmica da iniciativa autárquica e privada.
De novo me deliciei com o apuro da gastronomia, o requinte das unidades
da restauração e da hotelaria e o bom gosto e adequado dimensionamento dos
novos centros comerciais e hipermercados da cidade.
Tudo ali parecia querer
(teimosamente) contrariar, com brilhantes policromias natalícias, os tons cinza
da crise que se arrasta no país, que vai deixando fundas rugas de preocupação
às maiorias, cada vez mais despojadas, da outrora (justamente) classificada
classe média, uma qualificação que hoje parece excessiva, pela míngua das suas
poupanças.
Vale a pena ir (ou voltar)
ao Porto; pela sua espectacular e bem conservada monumentalidade, pela sua
exuberante actividade cultural, pela beleza da sua marginal ribeirinha, pelo
Douro que por ela serpeia e nos deslumbra, pelo convívio com a sua população,
pela profusão dos seus eventos culturais, e por tudo o mais que atrás referi.
Eugénio de Sá
vinho novo
Eugénio de Sá
Dezembro é quase chegado
e com
ele, o vinho novo
traz
novos prazeres ao povo,
os do
corpo, que os da alma
ficaram
pelas encostas
onde
os estios e a calma
as
cepas que nas vindimas
os
cestos glorificaram.
Prodígios de gestação
e foi nesses arrebóis
que a terra fez doação
do seu ventre, o mais que tem,
com o carinho de uma mãe;
vinho do seu coração!
De Braga a Ponte do Lima
de Fózcoa a Valdevez
correm os tintos e os brancos
uns e outros dos mais francos
que este Portugal já fez.
Crescem na mesa os presuntos,
os
enchidos defumados,
o bom
queijo amanteigado...
E alapados os grelhados
na
alvura das travessas,
não há
quem lhes peça meças
regados
com vinho e fado.
Casqueiros
a fumegar,
As
carnes de vinho e alho...
E aquecido ao borralho,
já
tonto de paladares,
o povo
corre às tasquinhas
p'ro
vinho novo provar!
IN MEMORIAM
(Em homenagem
a Luis Vaz de Camões)
Eugénio de Sá
Estive onde
está Camões e lá repousa
O Poeta Maior que à pátria deu
O sonho a um país que já não ousa
Pensar na gesta que o génio escreveu.
E na pedra
fria e tumular deixei
Promessa de render todo o meu preito
À lusa gente que eu sempre amei;
Os mártires, os heróis, de cruz ao peito.
Ganhava luz a
nascente manhã
Na nave príncipal daquele Mosteiro
De secular reverência anfitriã;
Mil vitrais
reflectiam, qual luzeiro
No mármore ancestral da laje chão
Um doirado caudal alvissareiro.
( décimas com glosa )
Terra minha
Eugénio de Sá)
Lisboa me viu nascer
e no seu seio dormir
se um dia dela partir
lá voltarei pra morrer
Glosa:
D' Ajuda sou filho inteiro
Desse
bairro onde se vê
Mais
lindo em cada maré
Correr o
Tejo ligeiro
Reconheço
lisonjeiro
Desse
amor tudo colher
Porque
é fonte do meu crer
Mesmo
de longe eu almejo
Voltar de
novo ao meu Tejo
Lisboa me viu nascer
E de Lisboa meu Deus
É dela
a minha saudade
Dessa
urbe sem idade
E os meus
ais são todos seus
São
dela os meus apogeus
Se um
dia dela partir
Terá
de ser como a aurir
Pois
sei que vou ter saudade
De
sentir minha cidade
E no seu seio dormir
Visito regularmente
os
bairros mais populares
respirando
aqueles ares
Vendo
de lá o poente
E ao
Castelo alegremente
Sempre
lá vou pra remir
Remorsos
de lá não ir
Rever
a minha Lisboa
Só de
pensar me atordoa
Se um dia dela partir
Hoje está tudo mais novo
Mas
Lisboa é mesmo assim
É
sempre mulher pra mim
Muda a
vida, muda o povo
E dela
a visão renovo
E lá a
faço entender
Que
mesmo sem eu o querer
A vida
pode mudar
Mas se
eu um dia a deixar
Lá voltarei pra morrer
A lusa prostração
Eugénio de Sá
Esta moínha que vai empapando
A terra
quente mesmo à minha frente
E aos
poucos, de constante, se instalando
Como
uma hipnose amolecendo a gente;
Esse hídrico despojo lá do céu
E assim eu dou comigo sem ser eu,
Carpindo mágoas tristes e sombrias;
Este sentir tão nosso e tão sofrido
Que
inopinadamente nos assalta
Vive
latente, esperando algum sentido;
Só quer mesmo o pretexto que lhe falta
Pra
nos expor ao tom que é mais dorido
Na voz
fadista de um qualquer peralta.
Lisboa conta de si
Eugénio de Sá
Muito antes de Cristo andar p’lo mundo
Mil e
duzentos anos, talvez mais,
Já meu
estuário e muitos dos meus cais
Serviam
quem sulcava o mar profundo;
Fenícios e judeus, depois os celtas
E
também os iberos, cá montaram
Comércio
dos produtos que exportavam
No meu
calmo remanso d’águas quietas
Nomes, tive diversos pr’à cidade
que as
suas colinas sempre amou
e “Alis Ubbo”
o pagão me batizou
(Porto Seguro), em tempos sem idade
Depois dos gregos,
chegaram os romanos
E “Alis Ubbo” passou a “Olissipo”
Mas não estava, por isso, tudo dito;
Pois chegariam unos e germanos
Os vandalos, também por
cá andaram
Como suevos, godos e outros mais
Até que os mouros montaram arrais
E deram novo nome ao que fundaram;
Foi a vez de
"Al-Ushbuna" me chamar
A mim, esta Lisboa que hoje vemos
E se com mouros já não convivemos
Foi porque Afonso, o rei, me quis tomar;
C'o a ajuda dos
templários que passavam
Numa grande cruzada à Terra Santa
Afonso Henriques com eles alevanta
Um ror de lanças que os mouros derrubaram
De mim, e do meu Tejo vi
partir
As naus que ao mundo deram novos mundos;
E da passagem desses mares profundos
Guardo da gesta glórias, a sorrir
Um dia, estremeceram-me
as entranhas
E vi, horrizada, a mortandade
Deixaram-me em ruínas a cidade
As forças libertadas, por tamanhas
Volvido tempo, fiz-me em
prantos mil
P’lo abandono da real família
Que levou honras, livros e mobília
De mim se indo, com rumo ao Brasil
Mas Lisboa fiquei, e
capital
Vendo, orgulhosa, as frotas pesqueiras
Sulcarem oceanos, marinheiras
Levando nas bandeiras; Portugal
Hoje, embalo-me nesta
calmaria
De um Tejo ao sol da nova liberdade,
Resta-me o fado, e nele sua saudade
Resta-me um povo triste, e sem estesia
O fado na
madrugada
Eugénio
de Sá
Joguei meu fado na espuma
da maré de lua cheia
mas o mar envolto em bruma
trouxe-o de volta pr'areia...
Fui beijar a madrugada
levei o fado comigo
e o sol vendo-a enfeitada
confessou-se seu amigo
Quando palpita a emoção
ante a beleza do fado,
faz-se a vida uma canção
e o viver abençoado!
De emoção vive a saudade
e no fado a dor sentida
é mais forte e mais sofrida
se é cantada com verdade
Quando uma guitarra chora
por qualquer fado vadio,
o tempo já não tem hora,
acalma-se o mar bravio...
Guitarra chora o meu fado
Que só tu sabes chorar
A mágoas desse pecado
Que por cá ando a penar
Acaba-se a desgarrada
Louvando o fado afinal
Que é a forma mais amada
De cantarmos Portugal.
A
noite de Lisboa
Eugénio de Sá
Fosforejam na noite os olhos de Lisboa.
Do seu ventre fadista
nascem os primeiros acordes das guitarras.
Nas suas artérias nobres,
que outrora conheceram o passeio alegre
de tantos e tão grandes poetas e
escritores,
hoje manda o silêncio
ou o som do passo cadenciado
de alguma filha da lua, em busca de cliente.
Não se ouvem há muito os ecos da
tertúlia da Brasileira,
da sonora gargalhada de mestre Almada Negreiros,
dos passos tímidos de Fernando Pessoa,
da algazarra de Cardoso Pires e dos seus amigos
marialvas,
a saltitar de bar em bar.
De alguns dos teus mais profundos e típicos
recantos;
Bairro Alto, Alfama... ainda emergem, tímidos,
alguns acordes de fado amador,
para useiro deleite da envelhecida
frequência de sempre,
os que recordam nas "iscas com elas",
melancólicos,
os encantos ribeirinhos da rua do Arsenal
e da travessa do Cotovelo.
Alcântara, Cais do Sodré... ali ainda cheira a
Tejo,
a cacilheiros, a maresia, a saudade.
Ali, as memórias ainda vogam sobre as águas
do teu amado rio, que já conheceu tempos
melhores;
de varinas, de peixe, da Ribeira...
de gente mais feliz, gente que gostava de acabar a noite a
saborear-lhe o cacau!
Ah; Lisboa alvissareira, bem disposta,
cruzada pelos pregões das sardinhas, das favas,
das castanhas, dos jornais, que foi que te fizeram?
- Quem te silenciou o encanto da vida?
- Quem te prometeu um Parque Mayer novinho,
onde a "revista à portuguesa" pudesse
voltar a animar
a triste vida de um povo sacrificado,
que bem poucos folguedos conhece?
Mas de que povo falamos,
se ele hoje te esvazia as ruas
e se vai, à noitinha, às tuas
cidades-satélite,
onde se fecha a sete chaves,
apavorado pela insegurança que o rodeia?
- Quem te baixou, Lisboa, à
condição única de comerciante,
que até o fado só vendes a quem o pode
pagar... muito caro?
- Quem te mandou cumprir o único papel que
decoraste;
o turístico, atenta e veneradora,
a cobrar meia dúzia de euros pela
visita ao castelo?
Não que de condenável nada tenha essa atitude...
Mas só essa?
- Bem, para ser completamente franco,
és "obrigada" a ter outra;
a que mais requer toda a tua paciência quando tens de aturar os desmandos e as
bebedeiras dos jovens desocupados que te profanam as
entranhas e que, infelizmente, nada auguram de bom para o
teu futuro,nem para o deles.
Orgulho português
Eugénio
de Sá
Estes
versos que buscam Portugal
Não
procuram sequer por uma rima
Nem
volteios de saias de varina
Mas
de algo que lhes seja venial;
Como
nos lábios o sabor do sal,
No
olhar, as brumas das manhãs
E
os gritos das gaivotas nos afãs
De
alimento no mar essêncial
Desse
mar que nos ganhou respeito
Que
sabe que é nossa, por direito
A
gesta que Camões soube cantar
E
mesmo hoje, na nossa pequenez
É
grande a nossa alma e a altivez
De
um povo que a todos sabe amar
Eugénio de Sá
Veja o vídeo aqui